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terça-feira, 30 de junho de 2020

MOTIVO...

NÃO SE ATREVA A DESISTIR AGORA!


Por que, desistir agora?
Abandonar todas as lutas dessa grande história.
Esse é mais um capítulo apenas que daqui a pouco terá passado.
Uma sequência de fatos ruins, mas que não refletem o todo.
Não é possível parar, voltar atrás, não dá.
Quantas vezes doeu muito esse caminho, e diante do espelho você chorou.
Não... não desista agora, mesmo que você tenha sonhado sozinha, que o príncipe tenha existido na sua cabeça apenas.
Tudo pra você sempre foi arrebatador, você quer emoções que tirem o fôlego, mas sente que agora te tiraram o chão...
Talvez seja agora que nada está sob seus pés que seja o momento do grande voo.
Mas, se você desistir agora tudo terá sido em vão.
Não pelos outros, mas por você mesma.
Lembra de quantas vezes repetiste nos dias mais sofridos: vai passar, vai passar...
De novo irá passar.
Toma a chave do teu coração de volta, não deixe ela jogada por aí, nas mãos de quem não é dono nem de si mesmo.
Não desista agora!
Sai fora, vaza dessa tristeza, ela não é tua.
Quem nunca se enganou? Quem nunca teve um dedo podre?
Tá certo que você tem mais de um dedo podre, mas e daí?
Ainda faltam mais sete dedos para você escolher de novo...
Vamos.. larga a tristeza que ela não te pertence.
Lembra daquele poema da Cecília Meireles, Motivo?
Volta a escrever teus rabiscos poéticos, faz qualquer coisa, mas não desiste agora.
Foram tantos os caminhos, incontáveis espinhos.
Agora é de novo com você, na verdade sempre foi, um sonho solo.
Afinal, você nunca gostou de duplas sertanejas mesmo.
Então agora vai e segue, sem desistir de si mesma.
Amanhã é outro dia e você terá um novo motivo.
Adeilson Salles

MOTIVO

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.

Cecília Meireles




CORAÇÃO DOS OUTROS É TERRITÓRIO SAGRADO

TRAIÇÕES 

Quando traímos alguém lesamos a nós mesmos, porque sempre estaremos em nossa própria companhia.
O que normalmente nos move a uma ação que lese alguém em qualquer campo da vida humana é o egoísmo, traço marcante de quem engana.
Nos falta coragem para assumir essa chaga em nosso comportamento.
Temos sempre um olhar de cobiça sobre as coisas e pessoas que incitam em nosso coração a vontade de obter alguma vantagem.
No campo afetivo descartamos as pessoas com as quais convivemos largos anos sob a alegação de que temos direito a nossa felicidade.
Nada contra a busca pelo pote de ouro no fim do arco íris, mas quais são os métodos que utilizamos para chegar a esse fim?
Muitos afirmam que a paixão surgiu inesperada e daí a queda.
Outros comentam que a atração se revelou irresistível, por isso a traição.
Na verdade, nos falta honestidade com nossa própria alma, falta-nos também respeito por aqueles que partilharam seus sonhos conosco e acreditaram em nossas promessas.
E alguém pode me perguntar: Mas, e quando o amor acaba?
Se o amor acabou devemos encerrar um ciclo para começar outro.
Por que, a traição é o caminho que a maioria escolhe percorrer?
O escondido é mais gostoso, viver nas sombras da dor alheia é um poderoso afrodisíaco, para os pusilânimes de caráter.
E cá pra nós, todos carregamos algumas fraquezas.
Não se trata de condenar ninguém, mas de sermos honestos e coerentes com os nossos objetivos e sonhos.
Traímos porque ainda não desenvolvemos um sentimento e consciência, de que não devemos fazer aos outros o que não desejamos que nos façam.
 A ruptura pela traição abre um abismo entre as pessoas, e mesmo que a parte traída afirme perdoar, a cicatriz sempre estará lá, como os pontos de uma cirurgia na alma.
Mas, a traição que vira tatuagem é a que fazemos a nós próprios, quando deixamos atrás das nossas escolhas um rastro de lágrimas desnecessárias.
A vida dos outros é território sagrado, e se um dia fomos autorizados a adentrar por amor, deveríamos sair sem dar as costas sendo sinceros e honestos.
As vezes entramos na vida das pessoas, bagunçamos tudo lá dentro e saímos acusando e nos sentindo injustiçados.
Se o amor acabou, peça para sair.
Se não existe afeto, seja afetivo no respeito, saia sem bater a porta na cara de quem um dia acreditou em você.
Já trai e já fui traído, é essa realidade e experiência que me fez aprender que o amor verdadeiro não atende caprichos individuais, ele nasce digno no final de outra história.
O amor genuíno não eterniza orgasmos físicos, mas revela os prazeres da alma, e esses são os que causam mais delírios no coração.
Se estiveres amando, compreenda que o amor é como uma borboleta, que pela sua suavidade pode pousar e bater asas dentro do seu coração sem que você se dê conta.
A traição em nossa consciência é um hipopótamo numa loja de louças.

Adeilson Salles



segunda-feira, 29 de junho de 2020

QUANDO MATAMOS NOSSOS FILHOS

MORTES EMOCIONAIS
 
Fiquei pensando se deveria escrever sobre um assunto tão doloroso como esse, mas a vida não é dolorosa?
Viver dói, e dói muito.
Escândalos acontecem e precisamos falar sobre eles para que possamos refletir sobre as causas que levaram a essa ou aquela situação.
Normalmente ficamos na superfície do problema e somos sempre muito cruéis na condenação dos envolvidos.
Uma mãe matando o filho é sempre uma notícia que amedronta e aterroriza, pois na ordem natural em que a vida se apresenta nós temos nas mães a imagem de quem dá a vida.
Mas o drama do pequeno Rafael e da sua mãe Alexandra foge ao que acreditamos ser normal na rotina de uma vida comum.
Mas, o que é normal, numa sociedade como a que vivemos hoje quando centenas de crianças são assassinadas todos os dias pela ganância de um sistema que tritura vidas?
Nada justifica um crime bárbaro como esse, mas o que leva uma mulher a matar seu próprio filho?
Quais eram as prioridades de Alexandra em sua compreensão de vida?
Além dos complexos e relevantes conflitos emocionais de que ela deve ser portadora, da possível educação opressora que tenha recebido, será que existem componentes espirituais para um crime como esse?
Todos os fatores citados acima, certamente são ingredientes de uma história terrível como essa.
Se soubéssemos de toda a história dessa mãe encontraríamos muitos dramas, mas ainda assim não teríamos um argumento plausível para justificar o assassinato do próprio filho.
Sem dúvida alguma existe um drama de outras vidas como pano de fundo para esse final trágico.
Mãe e filho já se encontraram em outras situações como personagens de outras histórias, e se reuniram outra vez para o aprendizado comum.
Quem era o devedor, quem era a vítima de uma vida passada?
Quem bateu, quem lesou, quem traiu?
Nunca saberemos, mas precisamos compreender que as leis de Deus não se pautam pela superficialidade dos dramas e crimes que praticamos.
Mãe e filho podem ter se acumpliciado em ações levianas em outras encarnações.
Poderíamos ficar listando uma série de suposições do envolvimento entre essas duas criaturas, mas não passariam de suposições.
A morte de Rafael não aconteceu no dia em que a mãe lhe asfixiou, ela o matava pouco a pouco de forma inconsciente, quando não sabia lidar com a aversão pelo filho que surgia sútil em sua alma. 
Ele por sua vez, mesmo como criança, trazia traços comportamentais que revelavam sua condição de espírito imortal com uma história pretérita.
No mesmo lar se reuniam, Rafael e Alexandra, dois filhos amados de Deus em resgate e aprendizado comum.
Certamente o contexto de vida dos dois tornou-se mais desafiador, num mundo em que a demanda pelo prazer torna insensível o coração dos adultos, que deveriam priorizar a missão da paternidade.
Quando encarnamos nos embriagamos pelo licor capitoso das ilusões e muitos resvalam na irresponsabilidade e no crime.
Como mãe, Alexandra tem toda responsabilidade, mas um olhar isento de uma presunção acusadora nos convidará a ter piedade dessa mulher.
Daqui algum tempo, quando a maturidade promovida pela dor chegar ela levará dentro de si o remorso e a culpa, o que será sua maior condenação.
As prisões dentro da alma humana são as mais inexpugnáveis e cruéis.
Para Rafael e Alexandra as minhas orações, para que Deus em sua magnanimidade oportunize uma nova encarnação reparadora para esses dois corações.
Para nós, pais, mães e educadores esse escândalo deve nos servir de alerta para que não matemos emocionalmente nossos filhos pela omissão diante do processo educativo.
Que existam menos órfãos emocionais dentro dos lares de pais indiferentes.

Adeilson Salles
  
  
 






domingo, 28 de junho de 2020

KARDEC, EMMANUEL E LGBT+

SEU FILHO NÃO É GAY, ELE ESTÁ GAY NESSA ENCARNAÇÃO


Nada pode nos trazer mais sofrimento do que o olhar adoecido das pessoas sobre quem somos realmente.
E essa dor é bem maior quando o olhar adoecido vem dos nossos pais.
Enfrentar o mundo e o preconceito é doloroso, mas esse peso se acentua sobremaneira quando nossos pais se aliam a crueldade dos preconceituosos.
Se eles forem religiosos a dor é potencializada pelas palavras de condenação eterna, aliadas a uma comunhão com o demônio, que só pode existir na mente de quem transita pela vida acreditando na história infantil da luta do bem contra o mal.
O que destrói as famílias não é a orientação sexual dos seus membros, ou a condição sexual manifestada.
A destruição se dá pelo olhar adoecido e preconceituoso, pela maldade explicita em se expulsar um filho de casa.
"Quando um homem heterossexual afirma que a homossexualidade é antinatural, o que está dito na verdade? Que todos os seres humanos do planeta, se quiserem ser naturais, tem que ser iguais a ele."
O problema da discriminação em qualquer instância da vida humana se encontra nos olhos maus e condicionados as "verdades absolutas".
Quantos jovens se lançam a prostituição?
Quantos se suicidam porque aceitam o olhar doentio da família como sentença de morte?
Se a orientação e a condição sexual do seu semelhante incomoda é preciso buscar tratamento para mudar o olhar a respeito da vida das pessoas.
O que realmente dói é a discriminação dos pais com relação a seus filhos.
Alguns pais parecem amar mais a genitália e forma social dos seus filhos do que a essência deles enquanto espíritos.
Assusta o número de pessoas que se afirmam espíritas e agem preconceituosamente.
Para compreender o quanto as experiências homoafetivas fazem parte de processos evolutivos basta estudar Kardec, que segue como desconhecido para muitos pseudo espíritas que não leem as obras básicas, e se leem o preconceito lhes cega a visão.
O espírito não tem sexo como o compreendeis, respondem os imortais a indagação do Codificador.
Não nos faltam recursos educativos dentro do Espiritismo para curar a "catarata" preconceituosa dos nossos olhos enfermiços.
Emmanuel no livro Vida e Sexo como oftalmologista do evangelho, nos diz na introdução do referido livro:  "E para não nos delongarmos em considerações desnecessárias, concluiremos que, em torno do sexo, será justo sintetizarmos todas as digressões nas normas seguintes: Não proibição, mas educação. Não abstinência imposta, mas emprego digno, com o devido respeito aos outros e a si mesmo. Não indisciplina, mas controle. Não impulso livre, mas responsabilidade. Fora disso, é teorizar simplesmente, para depois aprender ou reaprender com a experiência. Sem isso, será enganar-nos, lutar sem proveito, sofrer e recomeçar a obra da sublimação pessoal, tantas vezes quantas se fizerem precisas, pelos mecanismos da reencarnação, porque a aplicação do sexo, ante a luz do amor e da vida, é assunto pertinente à consciência de cada um."
Se seus filhos evidenciarem durante a infância ou adolescência uma condição sexual diferente das suas expectativas, não o mate emocionalmente com seu preconceito.
Não renegue seu filho, porque mais do que ele, é você que tem o que aprender com essa experiência que a divindade te concedeu.
Ame seu filho, entendendo que o caráter das pessoas não reside na sua condição ou orientação sexual, mas o preconceito revela o caráter de quem o dissemina.
Segue abaixo um trecho escrito por Allan Kardec que nos esclarece de maneira definitiva quanto as nossas experiências no campo da sexualidade aqui na Terra.
Lembre-se: seu filho não é gay, ele está gay nessa encarnação, se você é de fato espírita entenderá essa afirmação.
"Se essa influência da vida corporal repercute na vida espiritual, o mesmo se dá quando o Espírito passa da vida espiritual para a corporal. Numa nova encarnação, ele trará o caráter e as inclinações que tinha como Espírito; se ele for avançado, será um homem avançado; se for atrasado, será um homem atrasado. Mudando de sexo ele poderá, portanto, sob essa impressão e em sua nova encarnação, conservar os gostos, as inclinações e o caráter inerentes ao sexo que acaba de deixar. Assim se explicam certas anomalias aparentes, notadas no caráter de certos homens e de certas mulheres." (Revista Espírita - Janeiro 1866 - As mulheres tem alma?)

Adeilson Salles

sábado, 27 de junho de 2020

MENTE DESCUIDADA, EMOÇÃO DESCONTROLADA

CABEÇA VAZIA, INVASORES PRESENTES


Somos muito descuidados com a nossa casa mental.
Normalmente largamos as portas e janelas abertas e os desequilibrados acabam invadindo nosso espaço sagrado.
Não resta dúvida que nossa mente é a sala de comando da nossa vida, por isso, precisa estar muito segura.
Como manter a serenidade e o domínio sobre nossa vida, se mantemos portas e janelas abertas e nos tornamos reféns da ventania e da perturbação alheia?
Uma casa mental precisa de proteção.
Assim como uma residência comum não prescinde da segurança para evitar a invasão de desocupados, nossa mente também necessita de recursos protetores.
A primeira medida a ser tomada é parar de reagir e passar a agir diante dos fatos exteriores que nos provocam.
Quem reage demais, age de menos, perdendo assim o controle sobre si mesmo.
No mundo nos deparamos com uma multidão de alienados que gasta as horas revidando a artilharia perturbadora que vem de fora.
São poucos os homens que tem sabedoria para se resguardar dos invasores desajustados que podem estar dentro do próprio lar.
Se a fechadura da nossa mente está arrombada por muitos anos de invigilância precisamos mudar as atitudes para reassumir o comando da nossa vida.
É preciso abandonar o hábito de querer resolver a vida alheia tomando para si problemas que não nos pertencem.
Também é importante diminuir as expectativas alimentadas com relação as outras pessoas.
Da mesma maneira que atividades físicas garantem mais qualidade de saúde, é urgente ter uma rotina de atividades mentais que irão deixar sua mente saudável e harmoniosa.
A leitura normalmente dá uma pintura geral no panorama mental trazendo novas paisagens e renovando nossos pensamentos.
A instalação de filtros em nossas portas e janelas psíquicas também é ação necessária para evitar que o bombardeio de notícias ruins através da mídia possa tornar nossa mente uma casa mal assombrada.
Músicas de qualidade, evitar a maledicência e outras ações na dinâmica dos fatos cotidianos nos garantirão uma moradia psíquica mais asseada e protegida.
Se você é religioso, faça preces, pois a oração é poderoso higienizador da mente humana, mas se torna ineficaz se não mudamos nossa forma de pensar.
Ocupe seu tempo amando, mas não ame por palavras apenas, demonstre amor, dê amor.
Mas é importante não querer barganhar sentimentos, não dê afeto para cobrar dos outros a correspondência da sua atitude amorosa.
Seja gentil, a gentileza abre portas inimagináveis.
Se sairmos à rua e um cachorro latir não nos abaixemos para latir para o cão, protejamo-nos emocionalmente.
Se visitarmos um hospício, não tenhamos medo, pois os loucos são os outros.
Nossa mente não é terreno baldio para a proliferação de ideias nocivas, mantenhamos nossa casa mental arejada refletindo em novas ideias e posturas, mas não deixemos as portas e janelas escancaradas.
Com essas atitudes os ladrões da nossa paz seguirão tentando tomar de assalto nosso mundo interior, mas a chave é nossa.
"Tudo é uma questão de manter, a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo".
Seja feliz!

Adeilson Salles










sexta-feira, 26 de junho de 2020

RELIGIOSOS E SENZALAS

A HISTÓRIA SE REPETE


Tenho muita preocupação em escrever sobre as coisas que angustiam a minha alma.
Durante muito tempo aceitei tudo que me era colocado como visão de vida e fé.
Hoje não consigo fazer mais isso porque aprendi que nossa relação com o divino é particular.
A experiência do outro não me basta para ter proximidade com Deus, o discurso do outro não me convence.
Apenas o que acontece na minha alma é capaz de fortalecer minha relação com Deus.
Quando vejo religiosos iludidos que se creem de posse da verdade, e discriminando quem não pensa como eles percebo o quanto eles são estranhos a Deus.
São os escravocratas do pensamento humano.
Os homens inseguros são assim, eles não admitem que um outro venha abrir uma janela de percepção da vida diferente da que eles estão debruçados.
As janelas são infinitas, uma para cada homem, todas com horizontes diferentes para se conhecer Deus.
Então termino por perceber que o problema maior são os homens que com suas experiências pseudo transcendentes desejam colonizar o semelhante com a sua fé.
Alguns não aceitam a existência de outros livros, de outras ideias, boicotam o trabalho de escritores e divulgadores, acreditando ilusoriamente que conseguirão através de uma censura canhestra tapar o sol do conhecimento humano.
Repetem a postura da igreja a qual condenam, e tornam-se inquisidores com uma nova e tosca roupagem.
Queimam a própria imagem e respeitabilidade.
Pobre homem inquisidor, que ainda não aprendeu que todo ser humano é livre quando se descobre pensante.
Uma ideia original e verdadeira não pode temer a manifestação de outras ideias.
Um pensamento novo que toque a alma humana se espraia como os raios de sol e ilumina as mentes que estejam dispostas a arte natural do livre pensar.
Ainda vivemos um tempo de escravização da mente humana, porque a maioria se deixa conduzir, tem preguiça de pensar.
Um grande número de pessoas segue terceirizando sua vida e sua fé: Ore por mim, peça por mim, interceda em meu favor...
A postura do coronelato das religiões segura com mão de ferro e pouca consciência cristã a mensagem do evangelho da qual se afirmam representantes.
Vejo Jesus me convidando a ir para a janela da consciência contemplar o mundo e as pessoas.
Vejo Jesus promovendo a alforria dos corações, libertando as almas simples das dores humanas.
Ele é o grande libertador, o evangelho a lei áurea que traz a libertação espiritual para as criaturas. 
Muitos templos religiosos, sejam eles quais forem, são senzalas que mantém os corações incautos sobre a escravização da teologia maniqueísta do bem e do mal.
Insistem em usar o instrumento da culpa como forma de domínio sobre os equivocados.
Se não tiverem um mal para condenar não se sustentam, mas o mal não existe, o que existe é a ignorância do amor.
Religiosos inescrupulosos são os senhores do engenho, os escravocratas, que oprimem o livre pensar, escondendo a possibilidade de um encontro com Deus individualizado.
E aquele que ousa pensar diferente é como o negro fujão, que logo terá em seu encalço o capitão do mato que deseja trancafiá-lo definitivamente, execrando sua condição de mal exemplo para os outros escravos.
A chibata da maledicência castigará sua vida, os inquisidores escravocratas irão tentar destruir quem embarace o império da escravidão.
Sigo vendo Jesus na janela nos convidando a encontrar Deus no mundo.
Ele aponta a infantilidade humana, os homens caricatos que brincam de representar o Pai que é amoroso e misericordioso.
Olho na direção que Jesus aponta e vejo Deus nas crianças, no idoso que caminha devagar, nos infelizes e mutilados, nas prostitutas e nos ladrões.
Venha para a janela olhar o mundo que Jesus deseja mostrar e terás suas alforria.
Deus só pode ser conhecido verdadeiramente pelo maior atributo concedido ao homem, sua capacidade de pensar.
Quem pensa se liberta, pois encontra seu Criador.
Jesus nos chama para enxergar a liberdade, Ele aponta o caminho e cada um deve percorrer a própria via libertadora.
Venha ver o sol nascer.
Adeilson Salles






quinta-feira, 25 de junho de 2020

A MINHA PROSTITUIÇÃO DE CADA DIA

QUANTO COBRO DA MINHA ALMA SER ACEITO?


Ela ainda ouvia aquela voz que cantou esperança ao seu coração ecoando dentro da alma ao chegar em casa.
No momento em que empurrou o velho portão de carvalho o silêncio da noite é quebrado pelos gonzos estridentes das velhas dobradiças enferrujadas.
Em sua direção vem aflito o velho e fiel serviçal, Artêmio, que tenta lhe dizer alguma coisa, mas na embriaguez de ventura que sentia não permitiu que ele falasse, então se antecipa, e diz sorrindo:
    Finalmente encontrei o amor, Artêmio. Não esse amor de carne que mexe nas entranhas do corpo, mas um amor que pacifica a alma...
    Senhoraele tenta me dizer - ele está aqui, o cliente da noite...
    Ele disse que me ama, que me aceita como sou...
Os belos olhos dela refletiam a luz prateada da Lua naquela noite especial e inesquecível.
    Antes mesmo que eu pudesse lhe dizer meu nome ele já me chamou carinhosamente da maneira mais doce que jamais ouvi - Maria - ele disse. Fui surpreendida, Artêmio, o profeta sabia meu nome. Ele é o bom pastor!
E erguendo o rosto para o céu, ela diz tendo os olhos perolizados pelas lágrimas nascidas da alma: Ele me pediu para amar, mas não o amor dos homens, esse que corrompe a alma da gente. Me pediu para amar as pessoas como a mim mesma. Artêmio, ele disse que Deus me ama...
Nesse instante um homem elegantemente trajado sai de dentro da casa e com grosseria, intima:
    Esqueces-te que essa noite é minha? Banco o fechamento do teu prostíbulo para ter exclusividade de gozo e prazer, vem logo me servir, saciar minha fome.
Ela contempla a arrogância do seu cliente, e no rosto dele vê desfilar as inúmeras outras faces a quem ela atendeu em noites de loucura.
Sente uma repulsa pelo que fez, parece que um coro de vozes fala ao mesmo tempo dentro de sua cabeça: Atende só mais esse... Afinal, satisfazer seu desejo na despedida não vai fazer diferença para quem já varou o útero centenas de vezes em troca de denários... Você gosta de ser puta, aproveita esse homem para tua despedida... deixa a santificação para depois dessa noite...
De repente todas as vozes silenciam, e uma única voz soa como melodia nova dentro da costumeira gritaria com a qual ela convivia em sua cabeça: Vá e não peques mais...
No rosto daquele comerciante ela vê a face luminosa do Profeta Galileu e lembra da sua promessa de amor, do mundo novo que existia dentro dela que precisava descobrir...
Num rompante ela empurra o homem para o lado e passa por ele resoluta e decidida.
Minha vida de loucura chegou ao fim, encontrei o amor de verdade...
Sua puta - ele esbraveja - eu sei do tipo de amor que tu gostas, o que te cobre de ouro...
Sem dar ouvidos ela segue, e Artêmio corre atrás da sua senhora.
E as vozes voltam a atormentar: Tem certeza que vais deixar o prazer e o luxo? Se entrega mais uma vez, vai ser bom. Tira dele todas as moedas de ouro...
Ela entra em casa e dos seus aposentos atira pela janela tudo que juntou em anos de prostituição.
Num aparente surto de loucura ela se desfaz de joias e ouro, como se desejasse tirar do próprio corpo as marcas das mãos dos homens que lhe estupraram a alma a cada noite de loucura.
Do pátio onde permanecera incrédulo o comerciante gritava: Vais me pagar vadia... Todos conhecem tua fama e quantos homens enfeitiçaste para lhes tomar o dinheiro... Puta é sempre puta... Nunca deixarás de ser uma...
Pela manhã a cidade desperta com a notícia revolucionária...
Que queime no inferno Diziam as mulheres.
Ela vai voltar para nos satisfazerDiziam os homens.
Nos dias que se seguiram ela era vista nos lugares em que Jesus pregava.
Passava os dias cuidando e amando de outros atormentados como ela que encontraram no carpinteiro de Nazaré o caminho a verdade e a vida.

Seguiremos nos prostituindo para agradar uma sociedade doente?
Quanto cobramos das pessoas para dar a elas o que muitas vezes nosso coração não aceita?
Qual o preço cobrado para vender nossos sonhos e nos violentar quanto ao que verdadeiramente nossa alma quer?
Por quantas palavras elogiosas nos vendemos para atender o nosso ego? 
Somos Maria de Magdala em muitas de nossas ações e necessitamos parar de nos vender nas pequenas coisas que trazem grandes vazios para nossa alma.
Ela encontrou o caminho, a verdade e a vida e pagou o preço para deixar a prostituição.
Quantas vezes nos vendemos por falta de coragem de assumir quem somos?
Adeilson Salles




quarta-feira, 24 de junho de 2020

PARA ONDE VÃO OS DIAS QUE PASSAM?

PARA ONDE VÃO NOSSOS PENSAMENTOS?

    Há um lugar dentro de mim onde mora uma criatura mágica com olhar de criança.
    Ela não é grande nem pequena.
    Não é escura nem clara.
    Tem o brilho dos olhos de uma fada.
    Ela é simples e gosta de brincar.
    Eu confio nela e conto todos os meus segredos.
    Quando me vê triste me chama para caminhar pelos jardins da minha alma.
    E se me vê alegre corre a minha volta cantando.
    Acredito nela porque ela é real e mantém minha sanidade.
    Para onde vão os dias que passam?
    Atrás de que montanha se escondem as noites que vivi?
    Perdi as contas das estrelas que contei incansavelmente.
    Os dias passaram por mim e não pude reter nada nas mãos.
    Estou cansado, ficando velho e preciso de uma nova história para sonhar e contar.
    Para onde foram alguns amigos, para onde foram meus pais?
    Não há nada que eu possa fazer além de prosseguir em direção a um lugar que terá tudo que plantei aqui.
    Coleções de sorrisos e brincadeiras, um baú de choros que colocarei num canto qualquer para que não me atrapalhe.
    Para onde foram os dias que vivi?
    Onde estão os braços nos quais me aninhei em noites e dias de dor?
    E os abraços onde atraquei por cais seguro?
  E a criatura mágica não fará mais parte do meu imaginário sentimental e poético, porque terá nascido e a terei encorporado definitivamente.
  Agora preciso de corações para abrigar meu ser da chuva das horas, que escorrem pelos relógios imparáveis que gotejam despedidas, partidas e chegadas.
    Para onde foram os olhos nos quais me vi?
    Onde estão os filhos, os pais, os sonhos, os amores, onde estou?
    Para onde eu vou agora quando volto a ser poeira cósmica varrida pelo vento do tempo?
    Ah... um dia poderemos nos abraçar de novo, brincar de novo, quem sabe?
    Então você segura a minha mão, e deixamos os dias passar por nós como brisa que refresca os sentimentos da gente.
    Para onde vamos agora?
  Não importa, desde que estejamos juntos, perenes nas lembranças e no coração um do outro.
    Para onde vão nossos pensamentos?
    O seu eu não sei, mas o meu vai sempre te procurar porque eu existo e sempre existirei no amor que dei pra você.

Adeilson Salles



terça-feira, 23 de junho de 2020

AS PUTAS NA FRENTE

AS PUTAS PRIMEIRO

    A simplicidade sempre está mais próxima de Deus do que as palavras e condutas rebuscadas e vazias.
    O homem acredita que quanto mais adereços e manifestações exteriores revelar, mais estará próximo da Divindade.
    Quando ainda era menino costumava ir aos domingos para a escola onde frequentava o curso primário, hoje ensino fundamental.
    Aos domingos o pátio da escola virava igreja.
    Minha família não ia a igreja e era interessante que tendo apenas nove anos eu já revelava essa busca pelo divino.
    Então no domingo logo cedo minha mãe me vestia com a bermuda do uniforme escolar e com o par de meia branca 3/4, e me calçava com o único par de sapato que possuía.
    Na verdade, ela me vestia com o uniforme da escola, do Grupo Escolar "Lions Club de São Vicente", tirava do peito apenas o distintivo da escola que era preso ao bolso por um alfinete daqueles de fechar fraldas de pano.
    Depois disso era o ritual de empastelar meu cabelo de brilhantina e lá ia o menino todo feliz ouvir a pregação do padre.
    A cada domingo que participava da missa mais feliz eu ficava, até que me candidatei voluntariamente a participar do coral.
    Contei para minha mãe que me incentivou de pronto.
    Então na minha memória a música que cantei diversas ainda hoje ecoa:

    "Vós sois meu pastor ó senhor nada me faltará, se me conduzis
    Em verdes pastagens feliz eu descansei em vossas águas puras eu me desalterei..."

    Mas, o que minha cabeça de menino registrou foi a pregação do padre que repetiu em voz alta e marcante as palavras de Jesus:
    Em verdade vos digo que os publicanos e as meretrizes entram adiante de vós no reino de Deus. Mateus 21:31

    Quando cheguei em casa corri contar para minha mãe o que o padre havia dito, fui perguntar a ela se aquelas prostitutas que eu via quando o ônibus passava pela zona do cais em Santos iam entrar no reino dos céus.
    A resposta dela foi: "Somos todos filhos de Deus".
    Resposta de mãe é lei no coração de menino e ela sabia o que estava falando.
    Depois que cresci e me fiz homem pude compreender o que Jesus quis dizer.
    E hoje vejo que para muitas pessoas que se acreditam virtuosas como é difícil entender que uma puta pode entrar no reino dos céus, ou um gay, ou ainda um travesti.
    Na verdade tomamos o reino dos céus pela medida do nosso entendimento, mas Jesus não olhava para a nossa condição de aprendiz, o olhar Dele se fixava nas potencialidades da alma.
    Por isso, o Mestre não condenou Zaqueu por sua ganância, não ressaltou as perturbações de Maria de Magdala e sua vida de prostituição, não deu as costas a Pedro por tê-lo negado, e não se esqueceu de Judas pela traição.
    Ele olhava para a boniteza da alma e via a trajetória luminosa que todos teriam um dia.
    Aqui na Terra a gente se preocupa com os nossos códigos morais para condenar o semelhante e isso nos afasta de Deus, nos leva para o fim da fila.
    Então posso dizer com tranquilidade:
    As putas na frente, por favor!

    Adeilson Salles
 



segunda-feira, 22 de junho de 2020

VIVENDO, APRENDENDO E PERDENDO

PERDAS E GANHOS

Afinal, o que é a vida?

É um ter e não ter, segurar e largar, iludir e iludir-se, amar e não ser amado.

E a vida é tantas outras coisas que não podemos mensurar.

Mas ela é sempre o fio da navalha, que nos corta a carne, que sangra a alma.

A vida é mutação constante, ela nos dá e nos tira, nos acomoda e desacomoda,

é comédia e tragédia.

A querida escritora Lya Luft nos fala com muita propriedade desse sentimento de impermanência das coisas que estão em nós e passam por nós:

"Não queremos perder, nem deveríamos perder: saúde, pessoas, posição, dignidade ou confiança. Mas perder e ganhar faz parte do nosso processo de humanização."

Pois é, para ser humano é preciso aprender a desapegar de tudo e de todos.

Um dia a gente acena para alguém que parte, no outro somos nós que partimos.

É um processo reiterado de perdas e ganhos.

Tudo passa por nós, mas nada fica, a não ser amores, dores, espinhos e flores.

Já se perde desde a infância, são os dentes de leite que caem contra a nossa vontade e na boca fica o vazio.

Se vive a tortura do dentinho mole, que balança numa lenta despedida e vai nos revelando a primeira experiência de não poder reter o que mais desejamos nessa fase, os dentes.

A boca fica vazia e murcha, e com ela a saudade do assovio que se vai junto com os dentes.

Já não se assovia mais, apenas se sopra, fica aquela janelinha na boca.

A janela que será fechada por outra dentição.

Ainda na infância perdemos os aminais de estimação, que partem para o céu dos cães e gatos.

E a vida vai levando e trazendo amores e dores.

Nessa pantomima de perdas e ganhos deveríamos valorizar o momento, o que é nosso na hora presente, porque daqui a pouco ninguém sabe.

E se alguém nos perguntar: O que você tem agora, o que lhe pertence?

Podemos dizer com relativa certeza, possuo apenas o que sinto.

Na verdade, não temos certeza de nada, as certezas pertencem aos religiosos e aos políticos em véspera de eleição.

A vida nua e crua é a canção da impermanência, um concerto de perdas e ganhos.

Milton Nascimento estava inspirado e muito humanizado quando escreveu a letra da música Maria Maria, e nos disse:

Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida

Começamos a vida perdendo os dentinhos, depois aprendemos a contragosto a "perder" as pessoas e as situações nas quais nos acomodamos.

A vida é um desassossego, um tira e põe.

Uma dinâmica que nos empurra para a humanização e se humanizar dói.

O fato é que tudo nos é emprestado, o que não queremos devolver como crianças birrentas a vida vem e toma.

Então sigamos com essa estranha mania de ter fé na vida.


Adeilson Salles

domingo, 21 de junho de 2020

QUANDO FIQUEI GRAVIDO DE UMA FILHA TRANS

Quando meu filho me disse que era filha...

    Eu andava pelo mundo falando para os pais que eles precisavam prestar atenção nos seus filhos, mas foi justamente essa a parte do meu discurso que me trouxe a realidade.

    Confesso que como a maioria dos pais eu só prestava atenção naquilo que entendia ser importante para que um filho fosse feliz, segundo os padrões tidos como normais.

    Mas aprendi que não podem existir padrões de normalidade coletiva, quando o ser individual não é feliz consigo mesmo.

    Então eu percorria escolas e no contato com crianças e jovens fui descobrindo o diverso, o "diferente", que hoje sei que é normal.

    Diferente era eu que sofria de um daltonismo moral e limitante.

    E foram as crianças e jovens que foram colorindo a retina da minha alma para que eu enxergasse um mundo mais bonito.

    Meu discurso foi mudando e me felicitando por ter a fala alinhada com a vida.

    E foram tantos os garotos e garotas que me procuraram pedindo acolhimento emocional que fui me sentindo um pouco pai de todos.

    Meninos e meninas homoafetivos, garotos e garotas trans, que se sentiam desembarcados de naves espaciais, porque eram vistos como extraterrestres, rejeitados dentro de suas próprias casas.

    E sendo um pouco pai de todos descobri o pai que não tinha sido para meus próprios filhos.

    Mas o que podia fazer, já que o tempo havia passado e meus filhos haviam crescido?

    O tempo foi passando e fui reafirmando meu discurso plural e acolhedor.

    Uma lição que aprendi é que a vida em algum momento vem te convidar a colocar em prática os discursos reafirmados e decantados durante a vida.

    E foi assim, que numa manhã recebi uma ligação do meu filho onde ele me disse que estava submetido a tratamento psiquiátrico porque havia se aceitado como mulher trans.

    Após a notícia, um silêncio em minha alma onde fui asfixiando a herança da educação machista e preconceituosa que recebi na minha infância.

    As primeiras palavras que proferi, já me sentindo grávido foram: "O que isso muda no amor que sinto por você? Eu te amo! 

    O silêncio agora era do outro lado da linha, pude ouvir a quietude da alma dela gritando.

    Coloquei a mão sobre o meu coração e constatei que ele se dilatara, estava gravido, mas não da forma social, agora eu teria a oportunidade de gerar dentro de mim a essência espiritual que pedia para nascer e ser acolhida por mim.

    Me dei conta no meio daquele turbilhão de emoções que precisava pedir perdão.

    E disse: "Me perdoe, ando pedindo aos pais por onde ando para prestarem atenção em seus filhos, e parece que não prestei atenção em você. - Ele que jamais foi de frequentar qualquer pratica religiosa revelou-se um cristão de verdade me dizendo que eu não precisava pedir perdão, porque ele me entendia perfeitamente.

    Nos despedimos, e pude sentir enjoos e tonturas tipicas de uma gravidez, a gestação era real e a partir do dia seguinte comecei a exercer minha nova paternidade.

    Logo pela manhã enviei uma mensagem de bom dia e já substitui o artigo masculino definido "o" pela letra "a".

    E soou da minha alma o meu primeiro: Bom dia, filha! 

    Depois, boa tarde filha, boa noite filha, como vai filha...

    Tive dificuldades para dormir por quinze dias aproximadamente, mas não porque tinha uma filha trans, pelo contrário, na verdade tinha medo do que o mundo podia fazer com a minha filha.

    Fui vencendo o medo e a gravidez não corria riscos.

    sofreria o aborto espontâneo da ignorância, muito menos rejeitaria a gravidez.

    Eu era um pai grávido, por obra do "espírito santo", o anjo Gabriel me visitou num sonho e disse que os pais não devem rejeitar seus filhos nunca.

    O Anjo Gabriel me falou com sua voz angelical, que aquela filha que era gerada em meu coração era filha de Deus.

    E foi assim que me senti pai de verdade, sem máculas e exigências para que minha filha atendesse as minhas expectativas me fazendo sentir confortável dentro do mundo dos outros.

    Agora havia aprendido que ela precisava se sentir confortável dentro do mundo dela e que eu deveria apenas segura na sua mão.

    Quando fui encontra-la pela primeira vez em sua forma feminina levei flores para ela, escrevi um cartão falando do meu amor.

    Escolhi os mais belos botões e subi onze andares pelo elevador em trabalho de parto.

    Contrações intensas na minha alma dilatavam meu ser para que ela viesse ao mundo plena e saudável, como veio.

    O elevador parou e caminhei em direção a porta do apto tocando a campainha.

    porta se abriu e ao me ver com as flores nos braços ela caiu em pranto; essa coisa de mulheres.

    Da minha parte, a bolsa de lágrimas aminóticas  rompeu e lavou minha alma.

    Nos abraçamos e elas nasceu num parto sem dor e rejeição.

    Ela foi crescendo e se sentindo cada vez mais forte.

    Hoje ela anda pelo mundo das próprias escolhas sendo feliz.

    O caráter não mudou, segue como um ser humano integro e produtivo.

    A condição sexual, a cor da pele, o uso de piercings e tatuagens não define o caráter de ninguém.

    Hoje ando pelo mundo contando a minha história, me tornando pai de muitos órfãos homoafetivos e trans, rejeitados pela família, infelizmente.

    Quanto ao Anjo Gabriel, de vez em quando ouço sua voz em meu ouvido: "Acolhe os filhos de Deus amando a essência de cada um".

    

Adeilson Salles