PERDAS E GANHOS
Afinal, o que é a vida?
É um ter e não ter, segurar e largar, iludir e iludir-se, amar e não ser amado.
E a vida é tantas outras coisas que não podemos mensurar.
Mas ela é sempre o fio da navalha, que nos corta a carne, que sangra a alma.
A vida é mutação constante, ela nos dá e nos tira, nos acomoda e desacomoda,
é comédia e tragédia.
A querida escritora Lya Luft nos fala com muita propriedade desse sentimento de impermanência das coisas que estão em nós e passam por nós:
"Não queremos perder, nem deveríamos perder: saúde, pessoas, posição, dignidade ou confiança. Mas perder e ganhar faz parte do nosso processo de humanização."
Pois é, para ser humano é preciso aprender a desapegar de tudo e de todos.
Um dia a gente acena para alguém que parte, no outro somos nós que partimos.
É um processo reiterado de perdas e ganhos.
Tudo passa por nós, mas nada fica, a não ser amores, dores, espinhos e flores.
Já se perde desde a infância, são os dentes de leite que caem contra a nossa vontade e na boca fica o vazio.
Se vive a tortura do dentinho mole, que balança numa lenta despedida e vai nos revelando a primeira experiência de não poder reter o que mais desejamos nessa fase, os dentes.
A boca fica vazia e murcha, e com ela a saudade do assovio que se vai junto com os dentes.
Já não se assovia mais, apenas se sopra, fica aquela janelinha na boca.
A janela que será fechada por outra dentição.
Ainda na infância perdemos os aminais de estimação, que partem para o céu dos cães e gatos.
E a vida vai levando e trazendo amores e dores.
Nessa pantomima de perdas e ganhos deveríamos valorizar o momento, o que é nosso na hora presente, porque daqui a pouco ninguém sabe.
E se alguém nos perguntar: O que você tem agora, o que lhe pertence?
Podemos dizer com relativa certeza, possuo apenas o que sinto.
Na verdade, não temos certeza de nada, as certezas pertencem aos religiosos e aos políticos em véspera de eleição.
A vida nua e crua é a canção da impermanência, um concerto de perdas e ganhos.
Milton Nascimento estava inspirado e muito humanizado quando escreveu a letra da música Maria Maria, e nos disse:
Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida
Começamos a vida perdendo os dentinhos, depois aprendemos a contragosto a "perder" as pessoas e as situações nas quais nos acomodamos.
A vida é um desassossego, um tira e põe.
Uma dinâmica que nos empurra para a humanização e se humanizar dói.
O fato é que tudo nos é emprestado, o que não queremos devolver como crianças birrentas a vida vem e toma.
Então sigamos com essa estranha mania de ter fé na vida.
Adeilson Salles
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