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terça-feira, 10 de julho de 2018

O PRIMEIRO TAPA A GENTE NÃO ESQUECE

O PRIMEIRO TAPA A GENTE NÃO ESQUECE

Ela chorou tantas vezes...
Levou tempo para se convencer de que não haviam mais justificativas inventadas por ela, que limpassem as mãos e a boca daquele homem, que agora a chamava de vagabunda.
Aquela boca que um dia saciara sua sede de amor, que a arrebatara na volúpia e correnteza dos beijos, agora era imunda.
As mãos viris, das quais tantas vezes amou ser refém, no instante do tapa assemelharam-se as garras de um animal feroz.
Não havia mais lua de namorados, noites de orgasmos extenuantes, nem mesmo um filme no cinema.
Da primeira vez que ele gritou ela procurou assumir a culpa, é claro. Devia ser o trabalho, algum aborrecimento em família.
Sim, só podia ser isso.
De outra vez, ele falou da melhor amiga dela e da péssima influência que ela causava.
Até mesmo aquele amigo gay que ela tanto gostava, do qual ele parecia ter ciúmes foi preciso se afastar.
Ele foi enjaulando-a dentro de casa, encarcerando-a emocionalmente, lavrando a escritura de propriedade sobre a alma e o corpo dela.
Os gritos se repetiram, mas primeiro ele ergueu a voz, era estresse, que tempo louco esse que a gente vive! - dizia a si mesma.
A camisa amassada.
Os atrasos na volta do serviço.
O sentimento de ser usada sem afeto, depósito de semem.
Acabaram as justificativas, tentou entender, se esforçou, mas os alibis emocionais que ela inventava para livrá-lo da condição de fera se esgotaram definitivamente.
A lista de adjetivos: gorda, burra, incompetente e até puta.
Certamente as putas tinham melhor sorte que ela, porque não tinham que aguentar tudo aquilo, todos os dias.
Até que o mundo girou, na verdade foi ela que girou sobre os calcanhares antes de cair no chão depois do tapa que estalou em seu rosto.
Devia existir uma razão para tudo aquilo, ele só podia estar doente, coitado!
Então o mundo dela seguiu girando ao som de: puta, vagabunda e imprestável...
Um dia ela foi até o espelho e não se viu mais.
Quem era aquela, ou melhor, o que era aquilo?
Cabelos desgrenhados, olheiras, unhas mal feitas.
Choro, muitas lágrimas e soluços.
A roupa precisava ir para a máquina, precisava lavar os sonhos desfeitos que ficaram impregnados em sua alma.
A camisa tinha uma mancha vermelha, as cuecas com manchas que ela conhecia bem.
Uma sensação de asfixia na alma, um afogamento sem explicação.
A depressão, o buraco, o desejo do fim.
Até que um dia alguém cantou esperança nos ouvidos da sua alma: Você é bonita!
Há quanto tempo ela não ouvia uma palavra doce?
A senha, a chave, a algema aberta.
Um sol mais adiante existia.
Ela ergueu a cabeça e encarou o sol, olhou para dentro de si.
Arrumou o cabelo diante do espelho e sentiu nojo do que aceitou ser.
Então partiu, foi para longe do agressor e se amou.
E novamente amou, porque sua natureza era amar.
E elas não foram felizes para sempre, porque conheceram outras lutas, mas sorriram muito de mãos dadas.
Adeilson Salles




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